Voz feminina: nem no grito é ouvida

*Por Luciane Bueno

Jennifer Lawrence e Leonardo Dicaprio, em "Não Olhe Para Cima"






O filme “Não Olhe Para Cima” (do diretor, Adam Mckay) faz uma abordagem sobre o negacionismo científico, diante da descoberta de um cometa gigante que está em rota de colisão com a Terra- feita por uma cientista, vivida pela atriz Jennifer Lawrence.



Diante da ameaça real de destruição do planeta, já que o cometa é gigantesco, a personagem de Lawrence e o personagem de Leonardo Dicaprio, que é o cientista chefe, vão comunicar o fato à presidente dos Estados Unidos, interpretada por Meryl Streep. Esperam por horas na Casa Branca, mas só são recebidos pela
mandatária em outro dia.



Negação da Voz da Mulher nos Espaços de Poder


A atriz Jennifer Lawrence interpreta uma cientista no filme, que é cancelada

Quando enfim são recebidos pela presidente não são levados a sério. O filme tem uma pegada satírica o tempo todo. Este texto pretende fazer uma abordagem da ausência de importância que a voz da mulher tem nos espaços de poder.



Vamos ver  por que? Vem comigo…Tem spoiller, um pouquinho só.



A cientista e o seu chefe decidem ir até um programa de Tv para anunciar a tragédia que está prestes a acontecer. Durante o programa, a história contada por eles é tratada com desdém, como se fosse uma brincadeira. Até que a personagem de Lawrence explode e grita dizendo que todo mundo iria morrer!



Diante da reação da cientista, os apresentadores simplesmente a isolam, dizem que ela está muito nervosa e negam o lugar de fala de Lawrence, que é uma cientista, não é uma leiga.



O cientista vivido por Dicaprio passa a ser o protagonista e ocupa o lugar de fala, uma vez que não é tão enfático, como a colega. A personagem de Lawrence sofre o famoso “cancelamento”.



A posição da mulher na sociedade sofreu mudanças ao longo da História



Historicamente a mulher não teve voz na sociedade, ela ocupava o espaço doméstico, sendo relegada à criação dos filhos e cuidados da casa e, obviamente, a cumprir suas obrigações sexuais com o esposo.



Na Antiguidade Clássica (4000 a.C -476 d. C) a mulher não tinha acesso à escrita, portanto, não tinha acesso ao conhecimento, sequer à documentação. No Egito, a mulher tinha a função de procriação, era vendida aos homens, sem ter direito de escolha. Era uma opressão absoluta do mundo masculino sobre o feminino.



Na Grécia antiga, a mulher também não tinha perspectiva, ficava restrita aos ambientes domésticos, não tinha espaço nenhum nos debates públicos e a educação não constituía um direito dela.



O pior é que quando a mulher era pobre, geralmente era submetida à escravidão ou à prostituição. 



Já na Idade Média, a mulher foi ganhando, muito vagarosamente, espaço na sociedade, algumas mulheres pertencentes à nobreza administravam propriedades como senhoras feudais (entre 1152 e 1254), há registros na França. 



A Idade Média foi marcada pelo protagonismo da Igreja Católica na sociedade, todas as ações que divergiam dos ritos propagados como corretos pela Igreja, recebiam severas punições, esse período ficou conhecido como Inquisição.



Sexo fora do casamento, por exemplo, era visto como heresia, muitas mulheres foram queimadas vivas por seus supostos atos heréticos. Possuir uma crença religiosa distinta da exigida pela Igreja, também era encarado como heresia, mulheres eram apontadas como bruxas e, consequentemente, queimadas. 



Muitas torturas foram realizadas pela Inquisição, a gente vê em filmes inclusive, o objetivo era fazer pressão para que as vítimas se retratassem. 



Ou seja, nesta época as mulheres eram caladas pelos homens que ocupavam fortemente o lugar de voz na sociedade. Assim como, a personagem de Lawrence foi calada, quando dizia o que não era “conveniente” na mídia. 



Os direitos da mulher só tiveram vez na segunda metade do século 20, com a promulgação da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, pela ONU, em 1979. O documento tem apenas 49 anos de existência. Portanto, se você pensar em termos de ordenamento jurídico, é muito recente.

Cientista (Lawrence) é responsável pela descoberta de cometa no filme



Mulher: luta por ter sua voz ouvida



Hoje, nós mulheres temos plena consciência de nossos direitos como cidadãs pertencentes à sociedade, desempenhamos papéis importantes no desenvolvimento da coletividade, como a cientista interpretada por Lawrence, que foi a responsável pela descoberta do fatídico cometa no filme “Não Olhe Para Cima”. 



No filme, podemos observar que sua narrativa foi desprezada pela mídia por questões de gênero, infelizmente, temos que reconhecer que se fosse um cientista homem sua fala teria sido levada em consideração. Portanto, a declaração verdadeira da cientista “de que todos iríamos morrer com a colisão do cometa contra a Terra” foi posta em cheque, em virtude da discriminação, ainda arraigada no seio social, de que a mulher é um ser inferior.



É patente no filme essa abordagem sobre a falta de importância do lugar de fala da mulher nos espaços de poder, inclusive, a própria presidente (que é uma mulher na película) também desconsidera a informação trazida pela cientista e seu chefe.



Embora alguns ainda digam, com ênfase, de que o discurso proferido pela mulher, acerca de misoginia e discriminação resume-se a mi-mi-mi, nós mulheres ainda enfrentamos essa questão no cotidiano.



Vamos a um exemplo, super clássico: quando a mulher faz denúncia de violência sexual, logo, nas redes sociais surgem discursos misóginos afirmando que a culpa pelo ato é da vítima por estar vestida com roupa curta, por estar insinuante.



A gente escuta esses discursos misóginos com indignação, infelizmente, mais uma vez eles demonstram, cabalmente, que o conjunto social é contagiado de discriminação, justamente em decorrência do processo histórico, no qual a mulher sempre teve lugar de inferioridade diante do homem.



Obviamente que atualmente, as mulheres já ocupam os espaços de poder na política, como deputadas, senadoras, governadoras, prefeitas e vereadoras. Mesmo assim, os homens ainda são protagonistas. Portanto, é mais do que necessário que ocupem cada vez mais os espaços na política, para que sua voz seja ecoada e novas leis sejam promulgadas para esse grupo social desprivilegiado socialmente.



A mulher precisa levantar a voz, sim! E lutar muito no interior da sociedade para que no cotidiano seja respeitada, como cidadã que colabora para o desenvolvimento da coletividade em que está inserida.




*Luciane Bueno é jornalista, produtora de conteúdo, redatora, escritora e feminista.





Comentários

  1. Fato preciso, muito bem narrado, necessariamente bem narrado.

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  2. Crítica contundente sobre a posição social das mulheres atualmente. Bem escrita, embasada em estudo histórico. Tudo o que nós leitores precisamos para entender um pouco sobre o tema. O paralelo com o filme é bem interessante. Tomara que possamos diminuir essa distância entre gêneros com mais entendimento e vontade. Ótima leitura!

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